Chá Comigo, Podcast de Tsering Paldron
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O poder do pequeno
As coisas mais poderosas não são necessariamente as maiores. Pequenos objetos, pequenos detalhes, pequenos organismos têm o poder de modificar radicalmente a nossa experiência. Nesta chávena de chá vamos falar de coisas pequenas que podem fazer a diferença.
Veja a minha página: http://www.tseringpaldron.com/pt
Temos tendência para pensar que o impacto das coisas tem a ver com o seu tamanho ou potência: vemos o efeito devastador de um tornado, de um incêndio ou de um tsunami e ficamos pasmados diante da força dos elementos que às vezes pensamos poder controlar. Vemos navios transportando toneladas de carga, proezas de engenharia como túneis e pontes permitindo o acesso a sítios outrora inacessíveis e outras tantas coisas gigantes e admiramos o seu poder.
Mas, enquanto tudo isso é por demais óbvio, tenho vindo a notar também o poder que pequenas coisas têm na nossa vida. Porque nem sempre as coisas mais visíveis são as mais importantes.
Numa noite fria e chuvosa, antes de me deitar, tenho de levar o cão à rua uma última vez. Faz tudo parte de uma rotina e está tudo garantido até ao momento em que me apercebo que saí de casa sem chaves!!!! Ai, aquele pequeno pedaço de metal que, ao entrar num mecanismo, é um “abre-te sésamo” para mesmo a mais segura das portas... É ele que faz a diferença entre acedermos ao calor, ao conforto e à proteção da nossa casa ou ficarmos lamentavelmente de fora, molhados e tiritando de frio.
Com as mudanças que a tecnologia introduziu na nossa vida, a nova geração de pequenas coisas poderosas inclui um dos nossos maiores pesadelos: as passwords – também denominadas palavras-passe ou senhas. Se as perder, ou esquecer, não tem como entrar no seu banco online, no seu email, no facebook, nas finanças... e por aí fora. Basicamente, se perder a sua senha, fica cortado de tudo, isolado na sua ilha e talvez na rua – se a fechadura de sua casa abrir com um código.
E não precisamos de melhor exemplo, mais bombástico, do que a situação mundial que estamos a viver. Quem poderia prever que um micro-organismo como um vírus ia virar o mundo ao contrário e ter tantas implicações na nossa vida? Nenhuma revolução, ideologia, ou tecnologia, teve o impacto à escala do que está a acontecer no mundo há cerca de dois anos.
Claro que tudo o que está a acontecer, e tudo que que irá acontecer como consequência da pandemia não se deve apenas ao bom do vírus... depende também de inúmeros fatores, tanto individuais como coletivos. O elemento que o desencadeou não deixa de ser, porém, um micro-organismo – algo tão pequeno que não pode ser visto a olho nu.
E isto, na verdade, reflete a forma como tudo acontece na vida. Pequenas coisas, ações e atitudes, que se combinam com outros fatores, eles muitas vezes imprevisíveis, podem produzir resultados realmente espantosos. É o que ficou conhecido como a “Teoria do Caos”, enunciada na pequena parábola do bater de asas da borboleta no Brasil que – combinando-se com outros fatores – pode desencadear um ciclone no Texas.
Quando compreendemos as implicações, percebemos que é possível obter grandes resultados com pequenas mudanças. E esta é uma tomada de consciência essencial que podemos explorar neste início de 2022.
Esta é a altura do ano em que muitas pessoas gostam de fazer uma lista de “resoluções”. Como sempre, não há nada de milagroso nestas coisas, nada que funcione por si só, nenhuma varinha mágica. As “resoluções” não vão concretizar-se só porque estamos no início do ano, ou porque as escrevemos num papel dourado e as colamos no espelho – ou seja lá qual for o ritual.
Porém, também não podemos descartar o seu poder. Se para alguém o início do ano representar o início de um ciclo e isso tiver algum impacto numa tomada de decisão – então porque não? A mente é milagreira e, por isso, se ela estiver decidida, tudo é possível.
Há, no entanto, vários obstáculos à concretização destas resoluções de Ano Novo, que fazem com que a maioria das pessoas raramente as leva adiante durante mais do que algumas semanas. Deixe-me falar-lhe de três.
O primeiro é a motivação. Decerto já “decidiu” muitas vezes começar uma dieta, parar de fumar, deixar de se queixar, romper uma relação doentia... ou outra coisa qualquer. Mas sem sucesso. E decerto também já lhe aconteceu sentir uma determinação que vem não se sabe bem de onde, sem esforço, naturalmente, mas que é inquestionável, irreversível, inquebrantável.
Isto é algo de totalmente diferente, que não vem da razão, não vem da moral, não vem do que pensamos nem do que os outros acham. Vem dum sítio muito mais autêntico e irracional que só se exprime se relaxarmos e nos abrirmos à nossa natureza profunda. Poderá vir enquanto meditamos, mas também quando andamos, comemos, dormimos, acordamos ou estamos parados num sinal de trânsito. É ao mesmo tempo sagrado e completamente banal. Mas irrefutável e sem recurso. É um clique que não se explica e que nos põe em movimento.
O segundo obstáculo é a constância. Mesmo quando uma destas decisões surge, na sua frescura e com todo o seu poder transformador, não é evidente conseguir manter ativa a magia do momento durante dias, semanas ou meses. Os inúmeros afazeres, responsabilidades e solicitações, distraem-nos, enfraquecem-nos e alteram o curso da nossa ação. Por isso, também não existe varinha mágica para isto, a constância cultiva-se com dedicação e isso requer bastante de nós.
O terceiro é o número. Se tem uma lista de dez resoluções de ano novo, é provável que não tenha a energia necessária para pô-las todas em prática. Isto sem falar do facto das nossas resoluções serem frequentemente demasiado ambiciosas e requererem grandes mudanças. Sem uma estratégia progressiva, não conseguimos resultados e desanimamos.
Então, eis os meus conselhos: tire um dia, uma manhã, uma hora para refletir sobre a sua vida e as coisas que gostaria de ver mudar. Passeie na natureza, sente-se para meditar, sozinho. Relaxe. Respire. Abra-se. Talvez uma dessas tais bolhas surja à superfície da sua mente. Ou talvez não. Não se preocupe, dê um tempo. Pode ser que alguma coisa apareça no momento em que menos espera.
Se já tiver uma lista, sugiro que escolha uma só das coisas que tiver escrito. A que lhe parecer mais urgente, mais necessária ou mais óbvia. E pense num primeiro passo simples para a sua realização.
Provavelmente conhece a história de Anathapindika, um comerciante imensamente rico, contemporâneo do Buda que era muito agarrado ao dinheiro. Sempre que o Buda vinha à sua vila ele ia ouvir os seus ensinamentos.
Um dia, foi ver o Buda e disse-lhe. “Aprecio muito os vossos ensinamentos, acho-os muito inspiradores. No entanto, acho que não são para mim”. “Porquê?”- Perguntou Buda. “Porque dizeis que a generosidade é essencial, mas eu não consigo dar o que quer que seja.”
Buda sorriu e disse: “Acha que conseguia dar alguma coisa a si próprio?” “Acho que sim”, respondeu ele. O Buda sugeriu-lhe, então, que todos os dias se treinasse, a dar algo com a mão esquerda à mão direita, dizendo “toma” e depois com a direita à esquerda, dizendo outra vez “toma” e que repetisse o gesto o maior número de vezes possível.
Anathapindika assim fez. Ao fim de um mês, quando aquele gesto se tinha tornado muito fácil e natural, voltou a encontrar-se com o Buda que lhe deu um outro exercício. Aos poucos, ele tornou-se mais e mais generoso até ter sido apelidado de Anathapindika, que significa “Aquele que alimenta os órfãos e os pobres”. O seu maior defeito tornou-se a sua maior qualidade e é dito que foi o mais generoso dos discípulos de Buda.
Na mesma ordem de ideias, tente imaginar um primeiro passo, assim simples e acessível, que o aproximaria do seu objetivo e imagine uma rotina para o aplicar, diariamente. Mantenha-se focado no objetivo final, mas vá dando um passo de cada vez.
Assim que a sua mente se tiver habituado a uma etapa, passe à seguinte. Seja criativo. Celebre as vitórias. Não desanime com as derrotas. Cada dia é um dia, cada passo aproxima-o da meta.
Esta estratégia é válida para as resoluções de Ano Novo como para todas as mudanças que queira ver na sua vida. Em dada altura temos de parar de imaginar que todo o mal vem do mundo e também de esperar que a “salvação” venha de lá. O mundo que vemos é o mundo que projetamos e a transformação está nas nossas mãos.
Se não tem lista de resoluções, nem se sente inspirado, então talvez eu tenha uma sugestão. Mas, para isso, vai ter de esperar pela próxima chávena.
Até lá, tenha um excelente começo de 2022.